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sexta-feira, 16 de março de 2012

Férias proporcionais na dispensa por justa causa: polêmicas e controvérsias!

No âmbito trabalhista, muitos temas continuam polêmicos e a discussão nos tribunais vem ensejando decisões contraditórias, as quais, muitas vezes, são no mínimo questionáveis.
Dentre os assuntos polêmicos, existe um que, há aproximadamente uma década, vem sendo objeto - por parte de Juízes de 1ª Instância e também no TRT de algumas Regiões - de decisões contrárias ao entendimento emanado na Súmula 171 do Tribunal Superior do Trabalho  (TST), a qual prescreve:

Salvo na hipótese de dispensa do empregado por justa causa, a extinção do contrato de trabalho sujeita o empregador ao pagamento da remuneração das férias proporcionais, ainda que incompleto o período aquisitivo de 12 (doze) meses (art.147 da CLT) – grifo nosso.

Apesar de não ser um especialista no assunto, gostaria de trazer à baila o tema, procurando, todavia, abordá-lo com uma linguagem (dentro do possível) menos jurídica, mesmo que baseie minhas análises e conclusões nos “experts” e estudiosos da legislação trabalhista, em decisões de nossos Tribunais e, mais especialmente, no excelente estudo do Juiz Flávio da Costa Higa, apresentado no projeto “Idéias Legais”, da Escola Superior da Magistratura do Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região.

O Início da Polêmica

O artigo 146 da CLT, há muitos anos em vigor, estabelece em seu parágrafo único:

“Na cessação do contrato de trabalho, após 12 (doze) meses de serviço, o empregado, desde que não haja sido demitido por justa causa, terá direito à remuneração relativa ao período incompleto de férias, de acordo com o art. 130, na proporção de 1/12 (um doze avos) por mês de serviço ou fração superior a 14 (catorze) dias.”

Outrossim, o artigo seguinte, de nº 147, dispõe:

“O empregado que for despedido sem justa causa, ou cujo contrato de trabalho se extinguir em prazo determinado, antes de completar 12 (doze) meses de serviço, terá direito à remuneração relativa ao período incompleto de férias, de conformidade com o disposto no artigo anterior.”

Também há muito tempo, o TST, ao tratar do direito às férias proporcionais na extinção do contrato de trabalho, possuía jurisprudência consolidada e consubstanciada nas Súmulas171 e 261. Enquanto a primeira (171) assegurava o direito às férias proporcionais em caso de extinção do contrato de trabalho com mais de um ano (exceto na dispensa por justa causa), a segunda (261), retirava o direito às férias proporcionais do empregado que, “espontaneamente”, “pedia demissão” antes de completar doze meses de serviço.
Ocorre que, em 05/10/1999, através do Decreto nº 3197, a Convenção 132 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) foi incorporada ao direito interno brasileiro, passando a situar-se no ordenamento jurídico, no mesmo patamar de validade, eficácia e autoridade em que se posicionam as leis ordinárias (da mesma forma como o são os demais tratados e convenções internacionais). Em seu artigo 4º, parágrafo 1º, a citada Convenção estabeleceu:

“Toda pessoa que tenha completado, no curso de um ano determinado, um período de serviço de duração inferior ao período necessário à obtenção de direito à totalidade das férias prescritas no Artigo3º acima terá direito, nesse ano, a férias de duração proporcionalmente reduzidas.”

Assim, em 2003, possivelmente em razão da Convenção 132, o TST, através da Resolução nº 121/2003 (DJ 19/11/03) entendeu que deveria modificar a redação das citadas Súmulas de Jurisprudência, as quais passaram ter o seguinte teor:


Súmula 171 - Férias proporcionais. Salvo na hipótese de dispensa do empregado por justa causa, a extinção do contrato de trabalho sujeita o empregador ao pagamento da remuneração de férias proporcionais, ainda que incompleto o período aquisitivo de 12 (doze) meses.”  



Súmula 261 - Férias proporcionais. Pedido de demissão. O empregado que se demite antes de completar 12 (doze) meses de serviço tem direito a férias proporcionais.”


Síntese da Polêmica

Com o advento da Convenção 132 da OIT, os artigos 146 - parágrafo único e 147 da CLT teriam sido revogados e os enunciados das Súmulas 171 e 261 se tornado incompatíveis, de tal forma que, em qualquer hipótese de rescisão contratual, seja decorrente de dispensa por justa causa, sem justa causa, pedido de demissão ou aposentadoria espontânea, o empregado teria direito às férias proporcionais, desde que cumprido o período mínimo de serviço exigido, correspondente à fração superior a 14 dias.


Considerações Preliminares

Inicialmente, concordo com aqueles que entendem que os tratados internacionais dessa natureza objetivam empreender um avanço nas relações entre o capital e o trabalho, promovendo os valores sociais e da livre iniciativa e agregando outros valores que melhorem a condição social dos trabalhadores e, no caso específico da Convenção 132 da OIT, a incorporação pelo ordenamento pátrio é apenas parcial e revoga dispositivos da CLT tão somente nos pontos em que são mais benéficos para os trabalhadores. 
De outro lado, também parece-me que não havia argumentos sólidos - mesmo em função da Convenção 132 - para a modificação das redações das Súmulas retro-citadas, pois com a nova redação, o Enunciado 261 tornou-se desnecessário uma vez que se a cessação do contrato de trabalho antes de completado o período aquisitivo de doze meses dá direito às férias proporcionais (exceto na hipótese de dispensa por justa causa), é óbvio que quem se demite antes de completar os doze meses também tenha o mesmo direito. A realidade, em nossa opinião, é que os textos revistos das Súmulas 171 e 261 não se harmonizam com o previsto no artigo 11 da Convenção 132 da OIT, a saber:

“Artigo 11. Toda pessoa empregada que tenha completado o período mínimo de serviço que pode ser exigido de acordo com o parágrafo 1º do artigo 5º da presente Convenção deverá ter direito em caso de cessação da relação empregatícia, ou a um período de férias remuneradas proporcional à duração do período de serviço pelo qual ela não gozou ainda tais férias, ou a uma indenização compensatória, ou a um crédito de férias equivalente.”

Em outras palavras, o direito às férias proporcionais não gozadas não mais se vincula ao rompimento do vínculo empregatício, uma vez que ficou garantido à todo empregado, sem exceção. Ora, se a lei não autoriza tal exclusão, o Enunciado 171 não poderia excluir tal direito ao empregado dispensado por justa causa.

Além de tal aspecto, os itens 1 e 2 do Artigo 5º da Convenção 132, atrelaram o direito às férias proporcionais ao cumprimento do período mínimo de serviço que pode ser exigido pela autoridade competente de cada país signatário, estabelecendo:

“1. Um período mínimo de serviço poderá ser exigido para a obtenção de direito a um período de férias remuneradas anuais.

2. Cabe à autoridade competente e ao órgão apropriado do país interessado fixar a duração mínima de tal período de serviço, que não deverá em caso algum ultrapassar 6 (seis) meses.” (grifo nosso)
Também não é demasiado forçoso lembrar que a legislação trabalhista vigente exige um período mínimo para a percepção de férias proporcionais, as quais são pagas à razão de 1/12 avos por mês de serviço ou fração superior a 14 dias.


Considerações Finais 

Algumas decisões nos Tribunais (ex: 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, ao negar provimento a tópico de recurso ordinário interposto por rede de supermercados contra decisão da 1ª Vara do Trabalho de Santa Maria) parecem indicar a predominância da tese de que, por muito tempo, havia o entendimento de não ser devido o pagamento das férias proporcionais nos casos de despedida por justa causa, conforme artigo 146 da CLT. Todavia, como o Brasil ratificou a Convenção 132 da OIT e esta, em seu artigo, instituiu o direito às férias proporcionais, ficou revogada a legislação anterior, pois além de coerente com a Constituição Federal, a mesma tem força de lei ordinária.

Diante do exposto e tomando por base o brilhante estudo do Juiz Flávio Higa, podemos concluir:

1. A Convenção 132 da OIT revogou a CLT estritamente nos aspectos que são mais benéficos aos trabalhadores, não estabelecendo qualquer prazo para aquisição do direito à remuneração proporcional de férias não gozadas e autorizando cada país signatário a fixar um período mínimo de serviço, o qual não pode ultrapassar seis meses;

2. A legislação trabalhista brasileira exige um período mínimo de trabalho para a percepção de férias proporcionais (artigo 146, parágrafo único da CLT), ou seja, a fração superior a 14 (catorze) dias trabalhados;

3. As Súmulas 171 e 261 do TST são incompatíveis com as disposições dos artigos 146, parágrafo único e 147 da CLT, assim como não se coadunam com os artigos 5 (itens 1 e 2) e 11 da Convenção 132 da OIT;

Para finalizar, acho que o estudo do Juiz Higa não poderia ter sido mais feliz quando sugeriu que:
“Os Enunciados do TST sobre férias proporcionais poderiam ser resumidos em um só, o qual, para se adequar aos termos da legislação vigente, teria a seguinte redação:


FÉRIAS PROPORCIONAIS - A extinção do contrato de trabalho, qualquer que seja a causa, sujeita o empregador ao pagamento da remuneração proporcional de férias não gozadas, desde que cumprido o período mínimo de serviço exigido, correspondente à fração superior a 14 (quatorze) dias (CLT, art. 146, parágrafo único e art. 147 c/c Decreto 3.197/99, arts. 5.1, 5.2 e 11)”.

Créditos: Carlos Alberto Zaffani – Consultor em Gestão 

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